A partir de 1 de janeiro de 2025, as crianças que estão nascendo am a fazer parte da geração Beta, seguindo a geração Alpha (nascidos entre 2013/2024), igualmente herdeira de um mundo turbulento, cheio de incertezas e grandes expectativas diante de tecnologias como a inteligência artificial para resolver os muitos problemas que vêm se acumulando desde os séculos ados.
Compartilhando o planeta com mais de 8 bilhões de pessoas, os bebês dessa nova geração am a compor famílias menores em relação a décadas anteriores, serão minoria etária numa população que tem envelhecido e terão que lidar com várias dimensões da crise estrutural do capitalismo: ambiental, política, econômica, social e cultural.
O auge da era informacional materializa um mundo profundamente interconectado pelas infovias e mediado por dispositivos tecnológicos, mas onde as relações interpessoais têm se tornado mais superficiais e efêmeras. O o à informação e à desinformação são igualmente ampliados, produzindo contradições que desafiam a lógica de revoluções pautadas pelo senso racional, lógico e dedutivo, apoiado em evidências e comprovações científicas.
Diante de um pessimismo generalizado em relação ao futuro e à capacidade colaborativa das sociedades, o individualismo e o imediatismo acabarão por servir como pilares na formação de crianças menos propensas a criar laços de confiança e solidariedade entre si, familiares e amigos, artificialmente isoladas e reguladas mais pela ação sistêmica de algoritmos de redes sociais do que pelo papel lúdico de brincadeiras criativas e de espaços de diversidade do convívio coletivo.
Ansiedade e depressão poderão seguir sendo reflexos da mesma melancolia existencial das crianças e adolescentes da geração Alfa e jovens adultos da geração Z (1997/2012), que seguem enfrentando com graves dificuldades a busca por qualidade de vida e significado em jornadas exaustivas de superexploração do trabalho, aprofundamento das desigualdades sociais e a destruição de recursos naturais que aceleram e intensificam fenômenos climáticos extremos, além da fome, da pobreza e das guerras.
A coexistência e o diálogo com as gerações Baby-boomers (1946/1964), X (1965/1980) e Y (1981/1996), nascidas no século ado, num mundo ainda na transição analógico-digital, deve se tornar cada vez mais difícil, abrindo brechas para que erros cometidos no ado se repitam, especialmente no que diz respeito à tentativa de resgatar um ado glorioso falsamente construído como forma de resolver os problemas do presente. A ascensão do ódio, da intolerância, do fanatismo político e do fundamentalismo religioso se opõe ao caminho de possibilidades progressistas que podem ser democraticamente construídas para lidar com os muitos desafios que parecem, hoje, sem solução.
A busca pela (re)humanização do ser humano talvez seja o grande legado da geração Beta, num necessário e decisivo esforço que permita às sociedades que projetarão o século 22 (anos 2100) criar caminhos que não levem a becos sem saída e túneis escuros, mas ao entendimento do pacifismo, da liberdade e da cooperação como garantias de um futuro generoso e sensível ao respeito e à proteção de todas as formas de vida do planeta Terra.
Para isso, o encantamento com abominações nascidas do neoliberalismo, como a idolatria a bilionários, e do fascismo, como o culto à violência, deverá ser frontalmente combatido, devolvendo às pessoas os espaços de poder e decisão tomados por lideranças populistas que articulam seu domínio global usando ferramentas tecnológicas que, ao invés de proteger e melhorar a qualidade de vida da humanidade, projetam novas formas de escravidão e predação de recursos – água, solos, trabalho, tempo, atenção, afeto.
A sustentabilidade talvez não faça mais sentido para a geração Beta, já que, nas próximas décadas, os limites ecológicos de ciclos naturais podem ultraar pontos críticos de mudanças, exigindo práticas regenerativas e políticas muito mais ativas do que as reservacionistas, insuficientes mesmo agora. A posição de espectadores da realidade (real e virtual) terá que ser substituída pelo protagonismo em crianças que estarão cada vez menos em contato com inventores, cientistas, pesquisadores e pensadores que estruturaram parâmetros tecnológicos, filosóficos e culturais de um mundo que atravessou a Revolução Industrial, a primeira e a segunda guerras mundiais e a guerra fria.
Correr, pular, dançar, imaginar, ler, escrever, rir, ouvir, abraçar, olhar nos olhos, fazer música e poesia se tornarão habilidades obsoletas se o pensamento maquínico extinguir a essência curiosa e subversiva do ser humano, asfixiada pelo tecnopolítica do utilitarismo perverso vendido como propósito ou missão a quem segue sustentando privilégios de minorias tirânicas sem perceber, ludibriados por promessas de liberdade empreendedora e moralismos conservadores.
Só saberemos se uma nova idade das trevas ainda está por começar ou se já é essa, que vivemos hoje, quando, do futuro, nosso tempo presente for codificado e contado pela perspectiva histórica não dos que já se foram, mas justamente desses, que virão.
A quem, num futuro mais ou menos distante, ler este texto escrito nos primeiros dias do ano novo que se inicia, meus sinceros votos de que o pessimismo tenha sido apenas alerta diante de possibilidades que vislumbramos daqui, do presente.
Que as injustiças, frustrações e sofrimento tenham se tornado propulsores de organização e transformação social, e não de conformismo e anestesia. Que os oprimidos, marginalizados e invisibilizados tenham levantado suas vozes e braços para destruir muros, construir pontes e dialogar na busca por consensos e partilha.
E aos contemporâneos que o leem, minha provocação para que sigamos na luta pela criação desse mundo onde viver não seja penitência, sofrimento, escassez e competição, mas felicidade, comunhão, cooperação e celebração.
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo, mestre em Linguagens, Mídia e Arte, pós-graduado em Neuropsicologia.