Duas pesquisas recentes, na área socioambiental, comprovam a distância entre, de um lado, a percepção popular sobre os riscos que o Brasil e todo planeta estão enfrentando com o agravamento das mudanças climáticas e, de outro, o que uma parcela de nossos representantes no Congresso Nacional está fazendo sobre o assunto.
Os dados são inquietantes, reiterando a importância de maior atenção sobre as ações no campo parlamentar, às vezes esquecidas, pela imprensa e sociedade em geral, em comparação com o foco no que o Poder Executivo realiza.
No dia 29 de abril, foram divulgados os resultados de pesquisa encomendada pelo Global Methane Hub, revelando forte tendência internacional de apoio a ações para minimizar a poluição por metano. Em média, 82% dos entrevistados em 17 países são favoráveis aos esforços de mitigação. No Brasil, o índice é de 90%, o maior da América Latina. Na edição anterior, realizada em 2023, o apoio ao combate às emissões de metano pelos brasileiros já era alto, atingindo 87%, destaca o Observatório do Clima, em análise sobre a pesquisa.
“No Brasil, os impactos climáticos não são apenas riscos futuros — eles estão acontecendo agora”, comentou Marcelo Mena, CEO do Global Methane Hub.
“É por isso que os brasileiros estão demonstrando alguns dos maiores níveis de apoio a ações climáticas ousadas nas Américas. Eles entendem o que está em jogo e veem a redução do metano como uma prioridade para evitar o aquecimento do planeta mais rapidamente.”
Mais da metade dos entrevistados brasileiros (53%) sustentou ter familiaridade com o metano, o maior índice entre os países latino-americanos pesquisados. Cerca de 4 em cada 5 afirmaram apoiar uma medida política específica que exigiria a captura e o uso da poluição por metano desperdiçada na cadeia de suprimentos de petróleo e gás.
O apoio a políticas específicas incluiria ainda: monitorar e medir as emissões de metano na agricultura (85% de apoio total); criar um programa para reduzir as emissões de metano provenientes de resíduos, exigindo separação de recicláveis e proibindo resíduos orgânicos em aterros (90% de apoio total).
O Brasil é o quinto maior emissor de metano do mundo e tem registrado aumento das emissões, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima.
“As emissões de metano representam um quarto do total das emissões brasileiras”, afirma David Tsai, coordenador do SEEG. A agropecuária responde pela maior parte delas e o gado de corte é a principal fonte do setor.
“Apesar de o país ter assinado o Global Methane Pledge em 2021 – um acordo voluntário internacional para reduzir as emissões de metano em 30% até 2030 –, elas aumentaram 6% nos últimos três anos. O Brasil precisa urgentemente moldar políticas para reverter essa trajetória nos próximos cinco anos”, completou Tsai.
As emissões de metano (CH4) contribuíram para cerca de metade do aquecimento global atual, causando danos a comunidades em todo o mundo. Ele é um gás de efeito estufa com impacto muito maior do que o do gás carbônico (CO2). Suas moléculas, embora tenham vida útil mais curta na atmosfera (entre 10 e 20 anos), são 28 vezes mais potentes do que as de CO2 num período de 100 anos, lembra o Observatório do Clima, principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 133 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais.
A pesquisa realizada pelo Global Methane Hub também apurou que 6 em cada 10 brasileiros relatam ter sofrido impactos climáticos fortes ou extremos em suas vidas. Um claro reflexo de eventos como as enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul no início de 2024, as queimadas recorrentes na Amazônia e no Pantanal e muitos outros casos evidentes de agravamento dos impactos das mudanças climáticas no país.
Com isso, os entrevistados do Brasil demonstraram apoio muito mais forte a ações para minimizar os impactos das mudanças climáticas (88% de apoio total, incluindo 66% que apoiam fortemente), perdendo apenas para a Indonésia entre todos os países pesquisados pela Global Methane Hub. Em suma, uma nítida tendência dos brasileiros em apoiar medidas concretas, não apenas discursivas, para enfrentamento das mudanças climáticas.
Essa percepção popular não tem se refletido, porém, na movimentação de parte relevante do Congresso Nacional. No dia 24 de abril, a Agência Bori divulgou os dados de estudo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem), sobre a atuação especificamente da Câmara dos Deputados entre 2019 e 2022, no que diz respeito ao impacto climático das ações legislativas.
O estudo mostrou que 93 das 165 votações relevantes no período analisado foram favoráveis a propostas emissoras de gases de efeito estufa, cujo incremento é o maior responsável pelo agravamento das mudanças climáticas. As emissões são derivadas da queima de combustíveis fósseis e de práticas agrícolas intensivas como a pecuária.
Não por acaso, grande parte das ações parlamentares contribuindo para o aumento de emissões foi executada por deputados vinculados ao agronegócio.
Em síntese, há um claro descomo entre a percepção popular, de agravamento das mudanças climáticas e da necessidade de combatê-las, e a ação de parcela importante do Congresso, no caso da Câmara dos Deputados, que está no caminho oposto. É um dilema que a sociedade brasileira precisa resolver, se o país que sedia a COP-30 em novembro quiser realmente liderar, como poderia, os esforços globais de enfrentamento efetivo das mudanças climáticas. É o destino de todos que está em jogo.