Vivemos uma era marcada por uma inquietante inversão de valores e meu foco aqui é na área da saúde emocional que, quem a possui, parece ter se tornado exceção, enquanto o sofrimento psíquico de quem não a tem, infelizmente ou a ser regra. Você aceita refletir junto à mim sobre essa problemática extremamente preocupante e atual? Que bom, então vamos à ela.
A normalização do uso de antidepressivos e medicamentos tarja preta reflete não apenas um sintoma individual, mas um mal-estar mais profundo da cultura, como já apontava Freud, o pioneiro da psicanálise (área na qual atendo como clínico) em sua obra “O mal-estar na civilização”. O sujeito contemporâneo, pressionado pela lógica do desempenho, da produtividade e da felicidade constante, já não encontra espaço para elaborar suas angústias no campo simbólico, recorrendo cada vez mais à química como via de alívio imediato, química essa seja liberada para consumo como o álcool, como cigarros, como medicamentos (remédios vendidos em drogarias = drogas lícitas), bem como as diversas drogas químicas ilícitas.
A medicalização da existência surge, então, como um modo de silenciar os sintomas que, segundo a psicanálise, são formações do inconsciente sobrecarregado advindos de experiências nele armazenados transformados em doenças psicossomáticas.
Quando medicamos indiscriminadamente a dor psíquica, impedimos que o sujeito interprete aquilo que, por vezes, é um grito inconsciente por ajuda ou um espaço de fala. A psicanálise não recusa o uso de medicamentos, mas questiona sua função: será que estamos tratando doenças ou tentando domesticar sujeitos que não se adaptam ao imperativo da normalidade social?
Nesse contexto, o sujeito saudável, que sente, sofre e elabora, torna-se o “anormal”. Aqueles que enfrentam suas angústias sem anestesia são muitas vezes vistos como estranhos ou antiquados. A escuta analítica, ao contrário do silenciamento medicamentoso, acolhe o conflito, a contradição, o desejo, reconhece que o sofrimento é constitutivo da subjetividade. Freud já dizia que a psicanálise não promete felicidade, mas a transformação da miséria neurótica em sofrimento humano comum. Hoje, no entanto, parece que o sofrimento comum perdeu lugar.
A patologização da tristeza, da solidão e do vazio revela um desamparo moderno que tenta, a qualquer custo, evitar o enfrentamento com o real. Vivemos num tempo em que o ideal de um eu perfeito narcísico, esmaga o sujeito dividido e faltante. E é essa falta, tão constitutiva da condição humana, que os medicamentos muitas vezes tentam negar. O sujeito se vê coagido a se adaptar, a funcionar, a produzir ,mesmo que isso custe sua verdade mais íntima.
A psicanálise freudiana nos convida, portanto, a resgatar o valor da escuta e da singularidade. A normalidade que hoje se busca é, em muitos casos, apenas a adequação ao discurso dominante, não o resultado de um processo de subjetivação.
Questionar essa medicalização generalizada é reafirmar o direito ao sofrimento como parte da existência, como expressão legítima da vida psíquica. E talvez, ao fazer isso, possamos reencontrar a humanidade perdida sob o peso das fórmulas e das prescrições.
Thiago Pontes Thiago Pontes é Filósofo, Psicanalista e Neurolinguísta (PNL) – Instagram @institutopontes_oficial