O hábito de trabalhar com os pensamentos me conduz invariavelmente a sugerir às pessoas que repensem, pensem de novo, mais uma vez, em suas atitudes, reações e no que provocou essas condutas.
Meu trabalho inclui também os sentimentos. Então, indico frequentemente às pessoas que se convidem a sentir mais uma vez o que foi experimentado emocionalmente, se essa emoção foi cabível, se pode ser respeitada ou desacreditada.
Esses exercícios psicoterápicos ajudam muito cada um a revisar suas interpretações e conferir se realmente os sentimentos decorrentes delas estão adequados.
Por exemplo, uma mulher estava muito estressada, cuidando de filho pequeno e trabalhando bastante. Pensou em afastar-se um tempo do trabalho, mas a preocupação com a opinião dos colegas e do chefe foi adiando o afastamento. Não queria que eles pensassem que ela vacilou, que teve uma fraqueza psicológica. Chegou a pensar que se o filho fosse uma reborn, seria tão fácil deixá-la em casa, onde ficaria sempre linda, limpa e silenciosa… Revendo a situação, observou que a pausa profissional permitiria cuidar melhor do filho e reforçar-se para retornar ao trabalho com nova disposição, mesmo que alguém especulasse sobre seu vigor mental. E, quando retornou, teve até uma amiga que quis aprender como ela teve coragem de ar possíveis opiniões preconceituosas sobre sua saúde emocional.
Na atualidade, temos um impressionante modismo com essa onda das bonecas que simulam caprichosamente um bebê humano. Esses chamados reborns podem ser apontados mesmo como figuras tipicamente humanoides, verdadeiros robôs-bebês estáticos.
Essas peças androides, para alguns, equivalem a ajudas psicológicas, funcionando como defesa, uma maneira de lidar especialmente com o luto ou com a infertilidade.
Sabemos que esses tipos de vazio são muitas vezes preenchidos por um pet, um animal de estimação vivo. Até aí, o preenchimento benéfico é indiscutível.
No entanto, recorrer a um objeto artístico, um boneco (e que nem é o do ventríloquo, que “fala”), é alternativa ruim, que parece uma negação da realidade ou uma forma insalubre de processar ideias e emoções.
Os modismos, ondas de comportamento repetidas e copiadas, são curiosamente fortes, abrangentes, repercutindo muito nas pessoas, levando-as a se misturarem aos outros sem refletir criticamente sobre a situação.
Dan Ariely, um dos expoentes da Psicologia Econômica, popularizou o conceito de “efeito manada” para ilustrar essa irracionalidade coletiva.
Agora, neste meado da terceira década do século 21, temos esse foco obsessivo na boneca reborn. Estamos, portanto, acompanhando mais uma fase imatura, estúpida e consumista da nossa famigerada complexidade humana. O tema entrou em grande difusão e formou a pressão social que caracteriza um modismo.
Os seres humanos estão encantados e deslumbrados por essas esculturas androides. Sem dúvida, não se pode negar a graça, a beleza caprichada que exibem. Elas têm impressionante valor artístico, bem como um excelente apuro estético, mas devemos aguentar o tranco e interpretá-las apenas e tão somente como uma linda obra de arte.
Os apelos modistas são capazes de nos influenciar bastante. Não os respeitar, não os seguir, é uma espécie de desafio, uma ansiedade em ficar fora da maioria, daquilo que mais se mostra, do que mais se fala, é não estar bem enturmado.
Estar na manada é mais fácil, acomoda, desestressa a pessoa, sufocada pela pressão social.
Por outro lado, sustenta uma contradição curiosa: quem se atualiza à moda quer um destaque, uma diferenciação – como conciliar essa antinomia: querer se destacar e não perder a esteira da moda?
No caso da reborn, irar a arte, talvez investir um dinheiro alto (a moda é cara…), divertir-se como em um hobby, mas jamais humanizá-la ou “animalizá-la” – definitivamente, ela não é gente nem animal.
Curtir a moda além do limite de enturmar-se na maioria implica uma customização, toques personalizados e individuais, seguir as tendências sem se escravizar a elas.
Os exercícios mentais e emocionais, do mesmo modo que os exercícios físicos, são necessários e indispensáveis.
Assim como vamos à academia de ginástica para manter a forma física, deveríamos fazer psicoterapia, como um fitness de treinamento mental e emocional.
Não podemos estreitar nossa compreensão cognitiva a um cérebro de arinho – não confundamos um espantalho com uma pessoa humana.
A influência da reborn pode nos induzir à melhor das reflexões: vamos rebobinar nossa mente e nosso gabarito de sentimentos. Conseguiríamos aprimorar nossa capacidade mental e promoveríamos ativamente o mais importante: as interações da nossa maior virtude sentimental: o amor.
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor