O governo de Tarcísio Freitas pretende conceder quase 1.000 km de rodovias no estado de São Paulo à iniciativa privada, instalando 37 novos pedágios entre municípios do Circuito das Águas Paulista e da Baixa Mogiana. O investimento em infraestrutura é estimado em R$15,4 bilhões, mas a conta, como sempre, recairá sobre a população. Essas duas regiões, que abrigam juntas cerca de 1 milhão de habitantes e possuem economia diversificada entre turismo, agroindústria e comércio, terão sua mobilidade profundamente impactada por tarifas abusivas que dificultam a circulação de trabalhadores, estudantes e comerciantes.
As cidades do Circuito das Águas e da Baixa Mogiana estão num processo de integração intermunicipal, principalmente devido à influência da Região Metropolitana de Campinas (RMC). A Metrópole Campineira, um dos maiores polos industriais e tecnológicos do Brasil, concentra empregos, universidades e serviços especializados, atraindo diariamente milhares de pessoas das cidades vizinhas. No entanto, em vez de facilitar a mobilidade nesse espaço cada vez mais integrado, o projeto de concessão das rodovias fragmenta ainda mais a circulação regional, impondo pedágios como barreiras artificiais ao direito básico de ir e vir.
Os pedágios não apenas encarecem o deslocamento, mas reforçam dinâmicas segregacionistas típicas de uma sociedade elitista. Criam-se muros invisíveis que restringem o trânsito de quem não pode pagar, agravando desigualdades socioespaciais. Moradores de cidades menores, que dependem da infraestrutura das cidades maiores, são os mais penalizados. A fluidez urbana se torna um privilégio daqueles que podem arcar com tarifas onerosas; quem não pode, é forçado a buscar alternativas mais lentas e precárias de locomoção.
O rodoviarismo desenfreado do estado de São Paulo aprofunda essa injustiça. Enquanto se despejam bilhões em concessões viárias, o transporte coletivo regional segue sucateado. Ônibus intermunicipais são caros, ineficientes e insuficientes para atender à crescente demanda populacional. Alternativas como ferrovias regionais são sistematicamente ignoradas, apesar do sucesso desse modal em diversas partes do mundo, como nas regiões metropolitanas de Nova York, Londres, Paris, Amsterdã, Madrid, Pequim e Tóquio. A decisão política de Tarcísio, seguindo a escola de Prestes Maia e Paulo Maluf, favorece as concessionárias, mercantilizando o direito de mobilidade e livre circulação e transferindo-o ao controle da iniciativa privada.
Não à toa, os lucros das concessionárias na região só aumentam. O Grupo CCR AutoBAn, que controla o Sistema Anhanguera-Bandeirantes e 40% da Renovias, lucrou R$1,78 bilhão só em 2024. Enquanto isso, usuários enfrentam tarifas extorsivas em rodovias privatizadas que só aumentam suas tarifas em anos de concessão. O pedágio tornou-se um verdadeiro imposto privado, desviando dinheiro da população para os cofres de grandes conglomerados.
Os exemplos de abuso se acumulam. Para ir de Campinas a Jaguariúna, um trajeto de apenas 30 km, paga-se R$16,50 (na ida e na volta). Quem precisa se deslocar diariamente entre Campinas e Indaiatuba, num percurso de 25 km, gasta absurdos R$18,10 pra ir e mais R$18,10 pra voltar. Com 37 novos pedágios, cidades que antes tinham livre circulação entre si verão seus custos de transporte explodirem – Pedreira, Artur Nogueira, Santo Antônio de Posse, Itapira, Amparo, Serra Negra, Lindóia, Itatiba, Morungaba, Bragança Paulista, Pinhalzinho, Socorro, Águas de Lindóia.
O que torna essa situação ainda mais revoltante é o fato de que o governo estadual já arrecada bilhões em IPVA para investir em vias de o para mobilidade ível. Em outras palavras, a população paga impostos para manter as rodovias, mas ainda precisa pagar pedágios para trafegar nelas. Esse duplo financiamento, um via Estado e outro via setor privado, escancara o caráter predatório do neoliberalismo e da corrupção público-privada, que serve aos interesses do mercado e não aos cidadãos.
Os impactos socioeconômicos são vastos. Com o aumento dos custos de deslocamento, trabalhadores e estudantes enfrentarão ainda mais dificuldades para chegar a seus empregos e universidades. Pequenos empresários e produtores rurais sofrerão com o encarecimento do frete, o que afeta os preços de alimentos e bens de consumo. O efeito cascata dessa política contribui para o aumento da inflação, prejudicando toda a economia regional.
A lógica das concessões público-privadas revela-se, mais uma vez, um instrumento neoliberal de exploração da população. Sob o pretexto de “eficiência”, transfere-se um serviço essencial para mãos privadas, garantindo lucros astronômicos enquanto os custos são socializados entre os usuários. Será que os preços exorbitantes impostos pelas vias pedagiadas correspondem à qualidade do serviço prestado e torna a circulação intermunicipal ível a toda a população regional?
É urgente repensar essa dependência rodoviária e investir em transporte público coletivo de qualidade. Regiões metropolitanas nos EUA, França, Holanda, Espanha, Alemanha, China e Japão têm ampliado suas redes de trens regionais, oferecendo alternativas eficientes e íveis ao transporte individual.
Se o estado de São Paulo pretende realmente ser um estado inovador e competitivo, precisa adotar políticas de mobilidade que priorizem a população e não apenas os interesses do capital privado. Lideranças como o professor Leandro Sartori (vereador em Pedreira/PSOL), Mariana Conti (vereadora em Campinas/PSOL) e Sâmia Bonfim (deputada federal SP/PSOL) lançaram a campanha “Pedágio Não! Nossa região não está à venda”, que pode ser apoiada pelo link https://marianacontipsol.com.br/pedagionao/ para pressionar as autoridades antes da abertura dos Editais de Concessão, prevista para o segundo trimestre de 2025.
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo, mestre em Linguagens, Mídia e Arte, doutorando em Psicologia.