“Não me matem! Quero viver! Sou saudável! Dou fruto! Abrigo arinhos! Tenho história! Assinado: Acerola”
O apelo descrito acima está impresso em duas folhas de papel sulfite, encapadas com proteção plástica, e pendurado no que restou de um pé de acerola na Rua Jean Nassif Mokarzel, no centro do distrito de Barão Geraldo, em Campinas.
A árvore foi radicalmente podada há pouco tempo e pode estar com os dias contados.
Segundo um grupo de moradores, o atual proprietário do imóvel deverá retirar totalmente a espécie daquela calçada com a finalidade de facilitar a entrada de clientes em um novo empreendimento – que, segundo informações de vizinhos, poderá ser uma nova república de estudantes.
Aquela residência era de propriedade do seo Aurélio, um jardineiro que por muitos anos contribuiu com o plantio de diversas árvores na redondeza, e também atendeu aos moradores da região com seus serviços. O imóvel foi vendido recentemente pelos filhos do antigo jardineiro.
“Em nossa opinião, uma questão chocante é a forma como as árvores em vias públicas são tratadas por proprietários de casas, que muitas vezes as tiram porque simplesmente querem fazer uma garagem. Essa acerola tem uma história no bairro. É uma árvore muito bonita e frondosa e de maneira nenhuma está doente”, relatam moradores que integram um grupo de proteção ambiental em Barão Geraldo.
Assim como na Rua Jean Mokarzel, em outras vias centrais do distrito é possível observar a alternância de imóveis antigos com construções mais novas, miscigenando e modificando a paisagem daquele reduto anteriormente dominado por arquiteturas das décadas de 1970 e 1980.
“Eu conversei com uma pessoa que trabalha na obra e eu senti que não há muita preocupação”, disse um dos integrantes do grupo, que preferiu não se identificar. “A impressão que eu tenho é que pagar uma multa pela retirada de uma árvore não faz diferença para as pessoas dispostas a manterem seus investimentos. Temos que começar a fazer uma campanha para preservar as árvores do nosso bairro.”
Uma carta de apelo foi deixada no estacionamento do imóvel. O pedido é para que o pé de acerola naquele local e a memória afetiva do bairro sejam preservados. De forma incisiva, o texto também expressa que pessoas estão dispostas a defender a espécie, caso a ideia seja pelo seu extermínio completo.
Além da carta, o grupo informou à reportagem que até o momento não formalizou denúncia aos órgãos públicos.
Denúncias de podas irregulares
De janeiro até o momento, o canal 156 da Prefeitura de Campinas recebeu 155 denúncias de podas e/ou extrações irregulares de árvores. Já a Guarda Municipal recebeu, entre 1º de janeiro e 30 de junho, 69 notificações da mesma natureza.
“As multas por poda irregular e extração variam entre R$ 699 e R$ 4.194″, informou a Prefeitura em nota.
“O cidadão não pode fazer nenhum tipo de manejo na árvore, seja extração ou poda, mesmo uma poda de limpeza, porque não tem conhecimento técnico e responsabilidade legal por isso”, informa a Secretaria de Serviços Públicos. A Prefeitura ou uma empresa, com técnico devidamente cadastrada no Departamento de Parques e Jardins (DPJ), são os únicos habilitados para fazer o manejo, completa.
Mais informações podem ser consultadas no próprio DPJ, através do telefone (19) 3733-7476.
CARTA AOS PROPRIETÁRIOS DA CASA:
PREZADOS SENHORES
Sou moradora desse bairro há mais de 40 anos. Conheci os moradores desta casa e todos eram pessoas de bem.
Esta árvore, em frente da casa que vocês compraram, foi plantada pelo seo Aurélio, jardineiro da maioria das pessoas deste bairro e muito querido por todos.
Esta árvore cresceu, ficou frondosa, sempre deu muitos frutos, foi morada de arinhos e ajudou a dar sombra na rua.
Vivemos uma época de desequilíbrio ambiental e as árvores precisam ser preservadas pois ajudam o meio ambiente.
Espero que vocês sejam muito felizes com a compra desta casa e tenham sucesso em seu empreendimento, mas gostaria de lembrá-los que retirar árvores da calçada é proibido por lei.
Muitas pessoas poderão testemunhar a favor dessa árvore caso vocês queiram levar adiante o objetivo de matá-la, alegando que ela está doente. É uma árvore saudável.
Preservem a memória afetiva dessa rua. É possível fazer garagem no seu empreendimento preservando esta árvore.
Repensem. Os moradores do bairro que estão vendo com apreensão a tentativa de extermínio desta árvore agradecem, mas também estão dispostas a defendê-la, caso não mudem de ideia.
Cordialmente,
A moradora do bairro e todos os demais que conhecem esta árvore e defendem a natureza.