Neste 2025 são lembrados os 80 anos de fundação da Organização das Nações Unidas. E no balanço das oito décadas de atuação, e sobretudo considerando o atual cenário global, avança cada vez mais a necessidade de reformulação do chamado Sistema ONU, para que atenda às urgências contemporâneas, sobretudo no que diz respeito à promoção da sustentabilidade.
A Carta das Nações Unidas data de 26 de junho de 1945. O início oficial da ONU é 24 de outubro de 1945, quando a Carta já tinha sido ratificada pelas grandes potências. A ONU nasce sobre os escombros da Segunda Guerra Mundial, quando a comunidade internacional considera fundamental um novo arranjo entre as nações, para justamente evitar uma nova catástrofe daquela dimensão.
Pois o planeta viveu os horrores das duas grandes guerras globais e, depois, não houve propriamente sossego, durante a Guerra Fria entre as décadas de 1950 e 1980, e mesmo depois da queda do Muro de Berlim, em 1989. Somente entre 1988 e 2019, de acordo com a organização sueca SIPRI, foram gastos mais de US$ 40 trilhões em despesas militares no planeta, em valores atualizados. Recurso suficiente para erradicar a fome e a pobreza no mundo, como pediram várias agendas nos últimos anos, como os Objetivos do Milênio, que valeram entre 2001 e 2015, e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que expiram em 2030. Do mesmo modo, dinheiro suficiente para financiar a transição para a economia de baixo carbono.
As estruturas das Nações Unidas de fato não acompanharam o ritmo das mudanças cada vez mais frenéticas, em todas as dimensões. A população mundial cresceu quase três vezes desde 1950, indo de 2,5 bilhões para mais de 7,7 bilhões de habitantes no início da terceira década do século 21. Apenas a China e a Índia somam 2,5 bilhões de pessoas, a mesma população planetária à época de criação da ONU. O mundo tem hoje ao menos 25 megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes. A maior parte da população mundial é urbana hoje, ao contrário da década de 1950.
Os avanços científicos e tecnológicos foram impressionantes nesse período. A invenção da fibra ótica, em 1952, pelo indiano Narinder Singh Kapany, foi o início de uma grande revolução nas comunicações globais, culminando com a criação em 1992 da World Wide Web, a Internet, por Tim Berners-Lee, após uma série de experiências anteriores como a Arpanet. Desde então, a cada ano uma novidade acelera as comunicações pela Internet.
A descoberta da estrutura tridimensional da molécula de DNA, a chamada dupla hélice, em 1953, por Francis Crick, James Watson e Maurice Wilkins, quando atuavam em Cambridge, no Reino Unido, abriu as portas para um mundo novo, resultando por exemplo no grande Projeto Genoma. Desde 1957, com o lançamento do Sputnik, a corrida espacial apenas cresceu. Dando um salto no tempo, em 1996 aconteceu a primeira clonagem de mamíferos, no caso da ovelha Dolly, no início de uma grande controvérsia no campo da bioética.
Em contraste com os avanços científicos, tecnológicos e no campo da medicina, muitos desafios emergiram nas últimas décadas do século 20 e primeiras do século 21. Uma delas é a epidemia de AIDS, cujo primeiro caso registrado foi identificado em 1981, nos Estados Unidos. Em quatro décadas já são mais de 77 milhões de casos registrados, com mais de 37 milhões de óbitos e sem perspectiva de solução.
Outro ingrediente que contrasta com os avanços científicos e tecnológicos está o surgimento de ondas anticiência, negacionistas, que se projetaram por exemplo em campanhas anti-vacinação em diversos países. A pandemia de Covid-19 deixou claro que o negacionismo é um dos principais males contemporâneos. E no âmbito das comunicações, se a Internet facilitou e multiplicou de forma exponencial a produção e transmissão de informações, por outro também criou as condições para a proliferação do que hoje se denomina fake news, as mentiras com rosto de verdade que ganham milhões de adeptos a cada clique.

Não sou poucos, enfim, os desafios que emergiram após a criação das Nações Unidas e mesmo depois da primeira grande Conferência sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, em 1972. Motivos mais do que suficientes para ajustes profundos na governança socioambiental global, sob a liderança de uma ONU reformada, que responde às demandas contemporâneas.
Profundas mudanças culturais, no próprio estilo de vida, são igualmente essenciais. O ser humano está esgotando mais rapidamente, a cada ano, os recursos naturais. Uma nova visão da Economia, necessária para o questionamento das bases do Antropoceno, consideraria esse esgotamento de recursos naturais. Antropoceno é como foi batizada a atual era biológica planetária, marcada pelo domínio e os muitos impactos das ações humanas.
o importante foi dado em plena pandemia de Covid-19, com a divulgação do Relatório de Desenvolvimento Humano 2020, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Os relatórios do PNUD se tornaram uma referência na medição da qualidade de vida nos países, a partir do momento em que, desde o início da década de 1990, aram a somar indicadores sociais, como longevidade e o à educação, aos indicadores que tradicionalmente mediam o grau de desenvolvimento apenas pela produção econômica, principalmente no caso do Produto Interno Bruto (PIB).
Pois o Relatório de Desenvolvimento Humano 2020 evidenciou a preocupação crescente com os impactos das atividades humanas no meio ambiente, no âmbito do Antropoceno, e por isso incorporou novas dimensões na mensuração dos padrões de desenvolvimento. Assim, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que constituía o núcleo do Relatório de Desenvolvimento Humano e parâmetro para medição da qualidade de vida de cidades, regiões e países inteiros, se transformou no Índice de Desenvolvimento Humano ajustado pelas pressões planetárias (IDHP), ao ar a incorporar o cálculo das emissões per capita de dióxido de carbono dos países e também a pegada ecológica, ou seja, o impacto das ações humanas nos recursos naturais. A mudança metodológica utilizada pelo PNUD é sinalizada no nome do Relatório de Desenvolvimento Humano 2020: “A próxima fronteira: Desenvolvimento Humano e o Antropoceno”.
Em síntese, se as Nações Unidas mantiverem a sua estrutura atual, basicamente a mesma de quando foram criadas há oito décadas, elas continuarão não respondendo às grandes e graves crises atuais, como as das mudanças climáticas e da extinção da biodiversidade.
Conflagrações recentes, embora com raízes históricas, como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, são a comprovação de que a arquitetura do Sistema ONU não funciona há muito. Ao contrário de muitos que pedem seu fim, entendo, pelo contrário, que a ONU é essencial para manter a perspectiva de paz e qualidade de vida no planeta. Sem ela o mundo estaria muito pior. Mas deve ser reformada, reconstruída, o que não é tarefa fácil. As grandes potências desejam manter o status quo. Mas sem essas reformas o mundo continuará vivendo no fio da navalha, à espera da próxima grande catástrofe global.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]