A velocidade da rotina em uma metrópole produz diariamente um ritmo frenético para quem trafega por entre ruas e avenidas. Mas poucos de nós paramos para analisar como é possível fazer fluir, na medida do possível, o trânsito em uma Campinas que hoje beira um milhão de veículos.
Um dos desafios diários para o controle desse tráfego – ‘maluco’ e ‘ordenado’ ao mesmo tempo – é a sincronização de um sistema de semáforos cada vez em maior quantidade e, claro, inteligentes e interligados a uma central que controla tudo através de um click.
Da instalação do primeiro dispositivo com os sinais de Pare, Atenção e Siga, na esquina da Avenida João Jorge com a Rua Francisco Teodoro, em 1950, Campinas foi ‘sentir’ que seu trânsito começava a dar nó na região central somente a partir da década de 1990, quando então aumentou a demanda para a instalação desses equipamentos.
É na metade dessa década, com a implantação do projeto viário Rótula (quando alterou-se para sentido único anti-horário quatro avenidas: Senador Saraiva, Moraes Sales, Anchieta e Orosimbo Maia), que aqueles engessados semáforos eletromecânicos, sem possibilidade de programações, começaram a ser substituídos por equipamentos eletrônicos, mais modernos ao ponto de controlar o fluxo de veículos em diferentes horas do dia.
Desde então, os sistemas semafóricos se modernizaram e anualmente foram ganhando novos endereços por causa da expansão na malha urbana.

Atualmente, existem 736 cruzamentos com mais de 5 mil equipamentos de grupos focais, espalhados em um raio de até 20 quilômetros de distância da região central. O que dá a dimensão da complexidade de tráfego na metrópole.
As histórias dessa epopeia da transformação do sistema semafórico de Campinas foram vividas e hoje relatadas com entusiasmo por dois funcionários da Empresa Municipal de Desenvolvimento (Emdec), que estão à frente do setor semafórico há três décadas.
Os colegas Paulo Eduardo de Oliveira Conde, 48 anos, e Marcelo Ferreira Lopes, 55, conhecedores de causa – e de perrengues – no controle desses equipamentos, forneceram ao Hora Campinas detalhes de como a metrópole avançou nesse complexo sistema, e por que se tornou referência nacional na manutenção desses equipamentos.

Os primeiros semáforos de Campinas
Nos registros oficiais da Emdec, a inauguração do semáforo 001 instalado em Campinas aconteceu no dia 8 de agosto de 1950, no cruzamento da Avenida João Jorge com a Rua Francisco Teodoro. Uma das únicas imagens que mostram o equipamento naquele ponto está disponível em um vídeo – amplamente divulgado nas redes sociais – que também flagra a circulação de veículos no viaduto da Fepasa (posteriormente Viaduto Miguel Vicente Cury).

O semáforo ficava logo na subida da ponte do viaduto, antigamente chamada de “porteira da capivara”, pois era estreita e tinha mão única.
Pelas imagens, já era possível observar naquela época o intenso fluxo de carros, caminhões, ônibus e bondes, atravessando o estreito corredor, que era a única ligação da Vila Industrial com o Centro.
O semáforo, segundo relatos, foi inaugurado com seletas autoridades convidadas pelo então prefeito Miguel Vicente Cury, em seu primeiro mandato (1948-1951).
Também em 1950, segundo os registros, foram instalados outros três semáforos: na Rua Sales de Oliveira com a Av. João Jorge, nas ruas Conceição com Barão de Jaguara, e na José Paulino com a General Osório.
Posteriormente, tanto os dados da Emdec como os da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), mostram que uma nova instalação teria ocorrido somente em 1967, no cruzamento da Avenida Senador Saraiva com a Rua 13 de Maio.
A data precisa não consta no livro comemorativo de 100 anos da Acic, mas as fotos estampadas na publicação dão uma amostra da importância que aquele tipo de dispositivo de controle de veículos tinha para a cidade.

Promotor público, delegado de trânsito e membros da Acic, dentre eles Guilherme Campos, comemoraram a inauguração quebrando uma garrafa de champanhe na base de ferro da nova estrutura.
Mais curioso, ainda, é que naquela época a inauguração de um semáforo rendia uma chamada na capa do jornal Correio Popular. Esse equipamento em específico, segundo a reportagem que garimpamos naquele periódico, havia sido doado pela própria Acic.

A transformação semafórica com o Rótula
O Centro de Campinas se tornava cada vez mais difícil de transitar nos primeiros anos da década de 1990, e então o prefeito Edivaldo Orsi resolveu colocar em prática o projeto Rótula – que criou anéis centrais e intermediários para a circulação de veículos. A ideia era evitar um trânsito excessivo na Avenida Francisco Glicério.
O engenheiro Jurandir Fernandes, ex-secretário de Transportes e colaborador do Hora Campinas, foi o gestor destas mudanças viárias.
E foi nessa fase de implantação do Rótula que entram em cena os recém-contratados da Emdec, o engenheiro elétrico Paulo Eduardo Conde (na época técnico em eletrônica), atuando na instalação e manutenção, e Marcelo Lopes, que assume anos mais tarde a operacionalização de todo sistema de semáforos de Campinas.
Ambos mostraram as fotos das instalações dos primeiros controladores eletrônicos, em dezenas de cruzamentos semafóricos implantados ao longo o percurso do Rótula.

“Foram os semáforos eletrônicos que ajudaram o Rótula a funcionar”, adianta Paulo, ao mostrar uma foto onde os operadores ainda carregavam os semáforos no ombro, em escadas.
“Se a gente tivesse semáforos eletromecânicos naquele projeto a gente não conseguiria controlar, por causa do próprio recurso da máquina. O eletromecânico só roda um plano, você não consegue mexer. Por isso que eu digo que o Rótula foi um divisor de águas na parte semafórica de Campinas”, avalia.
Naquele ano de implantação do Rótula, Campinas contava com apenas 200 cruzamento semafóricos, e um fluxo médio diário de 400 mil veículos. De lá até a metade desse ano, foram instalados semáforos em uma média de 15 cruzamentos ao ano, até chegar nos atuais 736.
“Hoje o fluxo de veículos é totalmente diferente de 10 anos atrás. O Rótula era para aguentar uma década. Hoje estamos precisando de outros projetos desses para desafogar a região central, que está saturada. O controle de trânsito através dos semáforos, por mais que a gente coloque a inteligência, interferimos de 20% a 30%, no máximo, da eficiência no trânsito”, aponta Conde.
Dos caçadores de lâmpadas à eficiência energética
Desde a década de 1990 a Emdec mantém um laboratório para conserto dos semáforos danificados. É talvez a única cidade brasileira que não aderiu a terceirização do setor e manteve profissionais realizando diariamente a manutenção dessas máquinas.
Naquele antigo imóvel na Vila Industrial, abarrotado de módulos, grupos focais e placas eletrônicas, é onde a equipe liderada por Paulo faz os aprimoramentos do sistema. Hoje, por exemplo, as lâmpadas de led danificadas em semáforos são consertadas pela própria equipe, o que gera uma considerável economia de custos.

Mas nem sempre foi assim. Antes da troca das lâmpadas incandescentes para as de LED (da sigla em inglês para Diodo Emissor de Luz), possibilitada através de um investimento de R$ 4 milhões da FL Energia em 2013, a Emdec mantinha nas ruas quatro equipes somente para “caçar” lâmpadas queimadas em semáforo.
“A gente trocava 12 mil lâmpadas por ano. Uma média de 1,2 mil mês, e quatro viaturas rodavam cada uma mais de 100 km por dia atrás dessas lâmpadas queimadas”, recorda Marcelo Lopes.
“Esse foi um outro grande divisor de água no setor, pois tivemos uma economia em combustível, custos de manutenção e também na conta de energia, que foi reduzida em 80%”.

Outro desafio para a equipe semafórica foi o aprimoramento das técnicas de aterramento, que possibilitaram menos danos nos equipamentos em épocas de fortes chuvas. No início da implantação dos controladores eletrônicos, havia uma média de 100 ocorrências de semáforos apagados por noite.
“A gente trabalhava o dia inteiro e ainda ficava a madrugada toda consertando semáforo. Começamos a aprimorar o aterramento, estudar o local, colocamos supressores de curtos diferentes para cada região para mitigar essas queimas”, explicou Paulo.
Atualmente, o setor tem um bom estoque de equipamentos para a manutenção dos semáforos. As verbas de contrapartidas de um Polo Gerador de Tráfego (PGT) de um empreendimento são revertidas em material, explicam.
“Às vezes um empreendedor precisa desembolsar R$ 300 mil de mitigação. Não dá para fazer um semáforo com esse valor, e então solicitamos em material. Com isso conseguimos fazer três equipamentos, com mão de obra própria”.
O setor possui 27 profissionais na manutenção e instalação, 13 na operação e quatro em projetos.

A inteligência a favor dos motoristas
Da central de monitoramento na Emdec é possível observar a performance de 60% dos equipamentos da metrópole. No dia da visita da reportagem, todos os conjuntos semafóricos dos corredores das avenidas Ruy Rodrigues e John Boyd Dunlop aram a ser totalmente monitorados através da central.
A tecnologia permite que o técnico tenha o a todas as informações de um semáforo, em tempo real. Algo inimaginável para Marcelo naquele início do ano 2000.
“Meu chefe pedia para fazer uma lista de quantos semáforos tinha na região central, que era a minha área, e lá saía eu anotando em um caderninho um por um. ava duas semanas ele pedia novamente uma contagem. Era na mão!”, recorda, sorrindo.
Com o fluxo do trânsito cada vez mais espraiado para as regiões do Ouro Verde e Campo Grande, e adensado na região central, a implantação dos chamados semáforos “inteligente” tem contribuído para maior fluidez no fluxo de veículos, avalia a equipe.
Esses semáforos – que são 56 atualmente – contam com sistema que ajusta o tempo de permanência na fase verde, com base na quantidade de veículos registrada na via, reduzindo o tempo ocioso e a espera semafórica.
O projeto piloto desse tipo de dispositivo foi executado pela primeira vez em 2019, na região central.
“Campinas é uma das cidades com maior número de veículos em relação à densidade populacional. Se essa tecnologia de ponta tivesse naquela época em que começamos, com certeza estaríamos muito melhor. Mas sabemos que a evolução é gradativa, e por isso me sinto com o dever cumprido em ter colaborado com todas as fases até o momento”, expõe Paulo.
NÚMEROS
♦ 5.516 – Número de manutenções semafóricas, incluindo os furtos de cabos e semáforos abalroados, em 2023;
♦ 460 – média mensal de ocorrências de manutenção semafóricas em 2023;
♦ 1.885 – manutenções semafóricas realizadas de janeiro a maio de 2024;
♦ Em 2023 foram registrados 40 semáforos abalroados, média de três colisões por mês; o custo dos semáforos abalroados no mesmo ano foi de R$ 295.353,84;
♦ Em 2024 já foram registrados 17 semáforos abalroados, até 31 de maio, média de 3,4 por mês. O custo total de reposição de semáforos abalroados foi de R$ 196.818,63 até o final de maio.